Um dos assuntos que dá mais pano pra manga em um consultório homeopático é os das vacinas. Você proíbe as vacinas, por ser homeopata? Meu filho só toma homeopatia, ele pode ser vacinado?
Bom, a resposta para essa pergunta pode variar muito de profissional para profissional. Muitos nem discutem vacinar. Outros nem podem pensar em vacinar. Mas, como este é o blog da minha prática clínica, eu só posso falar por mim, desde já sabendo que há uma gama enorme de argumentos prós e contras. Vamos fazer aqui, um balanço da minha opinião e da minha vivência como pediatra e mãe, para poder chegar a alguma conclusão que seja mais tranqüilizadora para as famílias homeopatizadas.
PRIMEIRO PONTO: algumas vacinas protegem contra doenças muito graves.
Doenças como o tétano e a meningite, quando acontecem na infância são muito graves e até letais. Vamos pegar como exemplo, a meningite por pneumococo (que é mais grave do que a meningocócica). Ninguém gostaria de ter o filho acometido por uma doença que tem complicações muito graves como o abscesso cerebral e seqüelas permanentes do desenvolvimento neuro-psico-motor da criança. A meu ver, nenhum efeito colateral da vacina contra pneumococo poderia ser tão grave quanto a própria doença. Além disso, trago comigo a lembrança de ter cuidado de uma criança sequelada de meningite por pneumo, e até hoje penso que aquilo tudo poderia ser evitado pela vacinação.
Às vezes brinco que a Analu sofrerá o efeito colateral de ter uma mãe pediatra: na tentativa de protegê-la de doenças graves, não titubeei em vaciná-la. Mesmo sabendo que, do ponto de vista homeopático, estou a submetendo a outro tipo de doença. Alguns teimam em dizer que é a “doença da vacina” é pior. Mas não consigo me convencer disso, quando me lembro daquela criança tão seriamente comprometida de quem cuidei. E não me desespero tanto com a idéia de vaciná-la.
É uma questão de por na balança: o risco de se contrair uma doença horrorosa destas é pequeno. (Mas quando ela acontece, é grave demais) VERSUS o risco de se apresentar um evento adverso da vacina que protege contra aquela doença (mas que não é tão grave quanto a doença em si). E, além de tudo, pode ser evitado ou amenizado com o uso da homeopatia. Chegamos aqui ao
SEGUNDO PONTO: o uso da homeopatia para prevenir ou amenizar os eventos adversos das vacinas.
Do ponto de vista homeopático, após a vacinação podem ocorrer duas situações: nenhuma reação à vacina, o que indicaria um organismo muito saudável, que lidou bem com o estímulo morbífico da vacina ou um organismo tão comprometido que não conseguiu nem responder ao estímulo. Felizmente, nossas crianças respondem, na maioria das vezes, da primeira forma.
Ou, se ocorrer reação à vacina, esta pode ser leve, moderada ou grave. O fato de se desenvolver febre após a vacinação não é ruim. É o sinal que o organismo está tentando se livrar do estímulo morbífico da vacina.
De qualquer maneira, alguns medicamentos homeopáticos podem ser úteis no combate aos eventos adversos e às seqüelas da vacinação. O mais consagrado é o uso da Thuya, antes e depois da vacinação. Teoricamente, o seu uso impediria que o estímulo da vacinação funcionasse como uma noxa, levando ao aparecimento de doenças crônicas no futuro.
Outras formas possíveis de se medicar homeopaticamente após a vacinação são: utilizar os antígenos da vacina dinamizados (na forma homeopática) como, por exemplo, Bordetella pertussis CH5 após a vacinação de coqueluche. Ou ainda, tratar a reação vacinal como um quadro agudo: selecionar os sintomas que a criança está apresentando durante a reação vacinal e repertorizá-los, chegando a um medicamento homeopático que cubra a totalidade sintomática.
TERCEIRO PONTO: evidência científica que a vacinação, suprimindo as infecções “benignas” da infância, NÃO é um fator de risco para o desenvolvimento da atopia.
Li um artigo científico escrito pelo Dr. Ubiratan C. Adler, (médico homeopata, Mestre em Imunologia, Coordenador da Pós-graduação em Homeopatia da Faculdade de Medicina de Jundiaí), em que, muito bem embasado, ele rebate a hipótese de que a vacinação, por suprimir as doenças comuns da infância, deixaria de der a oportunidade àquele organismo de não desenvolver doenças crônicas como a atopia.
Reproduzo do artigo original:
“Eis aqui uma outra oportunidade adequada para observar que grandes doenças epidêmicas como varíola, sarampo, miliária rubra, escarlatina, coqueluche, disenteria outonal e tifóide, depois de completarem seu curso, especialmente sem um tratamento homeopático criterioso, deixam o organismo tão abalado e irritado que, em muitas pessoas que parecem recuperadas, a Psora que antes estava adormecida e latente, agora acorda rapidamente, seja na forma de erupções semelhantes à sarna, seja na forma de outros sofrimentos crônicos...”
S Hahnemann
As observações de Hahnemann não endossam o “pressuposto homeopático” que considera as doenças infecciosas da infância como benignas, protetoras contra doenças crônicas futuras. Pelo contrário, o criador da Homeopatia avaliava as doenças epidêmicas importantes como nóxas que favorecem o desenvolvimento de doenças crônicas, inclusive erupções semelhantes à sarna. Entre as doenças crônicas que hoje chamamos de alérgicas, não seria a dermatite atópica uma erupção semelhante à sarna?
Hahnemann conheceu o resultado da vacinação antivariólica inicial. Em 40, 50 anos de observação de indivíduos imunizados, nada mencionou sobre o desenvolvimento de doenças crônicas causado pela vacina de Jenner, mas sim destacou o benefício proporcionado pela vacinação: “um fato benéfico marcante”. A varíola já não mais “dizimava metade ou três quartos das crianças das cidades que visitava”.
As críticas à vacinação foram introduzidas nas publicações homeopáticas pelo médico homeopata inglês, Burnett que viveu no final do século XIX. Segundo Burnett:
“ao vacinarmos um indivíduo, nós o estamos deixando doente, nós comunicamos vacinose a ele; se, somando-se à vacinose esse indivíduo contrai varíola, suas chances de morrer serão maiores, tanto maior for a vacinose que ele tiver”.
Apesar dos conhecimentos atuais ainda serem limitados sobre o mecanismo de manutenção da memória imunológica, grosso modo sabe-se que a eficiência de uma vacina depende da captura e processamento de seus antígenos pelas células dendríticas, que os apresentam (processados na forma de peptídeos) para as células T, ao mesmo tempo que estimulam a maturação destes linfócitos em células efetoras ou de memória.
Portanto, a teoria da vacinose de Burnett não tem fundamento imunológico. Ao vacinarmos um indivíduo com um determinado antígeno, não o estamos deixando doente, mas sim estimulando linfócitos T a atuarem como células de memória, prontas a coordenar uma resposta imune mais eficiente em caso de novo contato um antígeno muito semelhante. Compreendendo os princípios deste mecanismo, Hahnemann já entendia a vacinação como uma “cura homeopática por antecipação”.
Afastando-se da atitude inicial pró-vacinação de Hahnemann, a literatura homeopática multiplicou preconceitos em relação aos efeitos adversos das vacinas, que têm sido responsabilizadas por muitos males, desde um aumento da suscetibilidade às doenças em geral até a “violência social epidêmica nos Estados Unidos”.
É consenso que a vacinação, como qualquer procedimento sobre a saúde humana, não é isenta de riscos ou efeitos adversos e que cada vacina deve ser avaliada pela relação risco/benefício. Mas, considerando-se a cobertura vacinal como um todo, estudos amplos e bem desenhados como os de Anderson ou Grüber supracitados, apontam a vacinação como um fator de proteção contra as doenças atópicas, o que é lógico, uma vez que as vacinas protegem contra algumas infecções graves na infância, doenças agudas estas que são fatores de risco para manifestações atópicas crônicas. Na terminologia hahnemanniana, as vacinas evitam um maior desenvolvimento da Psora causado pelas grandes doenças epidêmicas. Isto não quer dizer que determinada vacina não possa apresentar efeitos alergênicos, como por exemplo, a vacina contra Haemophilus."
O artigo completo encontra-se publicado no Homeopathy, 2005, 94(13): 182-195; em inglês.
ÚLTIMO PONTO:
Tudo isso posto, vacinar ou não pode ser uma escolha da família. Cabe a mim, como pediatra e homeopata, ajudar na decisão, mostrando “os prós e os contras”. Admito que a minha experiência pessoal e profissional pesam muito. Não tenho como separar o que já vivi do momento atual. Fiquei sim, marcada pela experiência de ter cuidado de crianças que padeceram de males muito graves, que poderiam ser evitados pela vacinação. Ao mesmo tempo, também presenciei discussões e argumentos fortes de homeopatas importantes, contra a vacinação.
Quando o Dr. Vasant Lad esteve no Brasil, pude perguntar pessoalmente a ele, como lidar com a vacinação na infância. O Dr. Lad é um Vadya, um mestre, o maior expoente do Ayurveda aqui no Ocidente. E a resposta dele me tranqüilizou: vacine e combata as complicações. Simples assim!
(a visita do Dr. Lad ao Brasil está no meu outro blog, Namaste! - http://silsg.blogspot.com/2009/10/saibam-visita-do-dr-vasant-lad-e-pandit.html